Wimbledon — Design e Tradição em Cinco Sets
- Luan Nogueira
- 14 de jul.
- 6 min de leitura

Design nem sempre significa modernidade — e Wimbledon ensina o porquê
Por duas semanas em julho, os olhos do mundo se voltam para a Centre Court. Mas para quem já viveu em Wimbledon — viveu de verdade — a verdadeira magia começa muito antes do primeiro saque.
Tive o privilégio de chamar Wimbledon de lar por alguns anos. Não apenas de passagem, com ingressos ou credenciais, mas morando ali, em meio aos seus mais tradicionais rituais.
Caminhava todas as manhãs, de casa na Worple Rd para o trabalho, no escritório da Peldon Rose também na Worple Rd, e nos finais de semana adorava pegar um café quente próximo ao commons nas primeiras horas da manhã, via o orvalho subir da grama como e se junta à névoa, e aprendi o silêncio particular de um bairro que não tem absolutamente nada a provar.
É um lugar onde a estética não é curada — é herdada. Onde o ritmo da vida segue um compasso pastoral. Há cavalos nas trilhas de terra do parque, crianças em uniformes escolares saindo de charmosos chalés, e moradores, uma galera “cool”, que se reúne não por moda, mas por continuidade.
Os cafés — Maison St Cassien, PAUL, The Ivy Café ou o perfeitamente desgastado Al Forno — não são projetados para parecer antigos. Eles simplesmente são. Paredes que guardam memórias.
O Hand in Hand, escondido no cantinho esquerdodo Common é quase uma cena de cartão postal literário, e tornou-se um dos meus cantos favoritos. Não pela fama (embora a tenha), mas justamente porque nunca tentou impressionar. As cervejas são servidas sem pretensão, os moradores conversam sem pressa.
O cheiro de couro das poltronas antigas, o teto absurdamente baixo, o aroma amadeirado que vem das paredes e do piso — já impregnado por décadas de cerveja derramada em meio a rodadas, risadas e comemorações — criam uma atmosfera que parece intocada pelo tempo. É o tipo de lugar onde várias gerações se reúnem: para relaxar, encontrar amigos, torcer por seus times tradicionais da Inglaterra e, inevitavelmente, chegar ao ponto em que segurar uma pint já não é tarefa tão simples.
Mas o charme vai além. Está nos ganchos onde os casacos são pendurados sem medo de se misturar aos dos outros. Está nas luzes amarelas, suaves, que parecem manter o pub sempre no fim de tarde. E, claro, nos dogs — pequenos ou enormes — porém sempre bem-vindos, circulando entre as mesas como parte natural do ambiente.
Você se senta sob as vigas expostas e esquece rapidamente que a modernidade virou uma corrida.
Curiosamente, enquanto morava e trabalhava em Wimbledon, como designer no escritório de design Peldon Rose, aprendi uma das lições mais sutis e inesquecíveis da minha temporada britânica: a pronúncia correta de Wimbledon. Erro que a maioria das pessoas no mundo — faço parte dessa estatística — comete sem perceber. No escritório, mais precisamente na área do “Tea Point”, onde as conversas sobre vida e design aconteciam em torno de uma longa mesa de café, havia um quadrinho central na parede dedicado a esclarecer “misunderstanding”. Era uma pequena obra-prima de humor e precisão fonética. O quadro dizia: “Wim” (ok), seguido por uma ilustração de uma bola de tênis no lugar da sílaba “ble”, indicando que se pronuncia como “ball”, e por fim, “don”. Ou seja, a pronúncia correta seria algo como Wimboldon. Britânico até no jeito de ensinar — sutil, visual e com um toque de ironia impecável.
É isso que Wimbledon faz melhor do que qualquer outro lugar: valoriza a atmosfera acima da aceleração. E essa premissa não é apenas um estilo de vida — é um princípio de design.
Você sente isso com mais intensidade, claro, durante o torneio. Mas o torneio é apenas uma extensão da vila. Nunca o contrário. Ao pisar no gramado do All England Lawn Tennis Club, você entra em uma tese viva sobre contenção e refinamento. Sem outdoors. Sem neon. Sem invasões de marca. Apenas paredes cobertas de hera, quadras cortadas com precisão milimétrica, e a calma inconfundível de algo que se recusa a ter pressa.
E ainda assim, os patrocinadores estão lá — MUITO lá. Mas de forma muito bem curada.
Desde 2006, a Ralph Lauren atua não apenas como patrocinadora, mas como uma espécie de guardião estético de Wimbledon. Foi a primeira vez na história de 129 anos do torneio que uma marca externa foi convidada a vestir os oficiais. Mas fiel ao espírito de Wimbledon, a Ralph Lauren não chegou causando ruptura — chegou com disciplina. Dos blazers azul-marinho dos juízes às polos impecáveis dos ball boys e ball girls, cada peça é desenhada para pertencer, não para chamar atenção. Até os produtos vendidos na loja oficial seguem esse tom: cortes atemporais, fontes clássicas e pouco exagero. O papel da Ralph Lauren em Wimbledon não é sobre moda. É sobre ambiente. De forma silenciosa e intencional, ajudou a moldar a atmosfera visual e emocional do torneio — provando que design não é apenas o que se vê, mas o que se sente quando um lugar é fiel a si mesmo.
Nos anos em que vivi em Wimbledon, um detalhe sempre me chamava a atenção, discretamente, como tudo por lá — era a presença dos Land Rovers. Não de forma exibicionista, mas em um ritual curioso. A cada ano, a marca escolhia o mesmo modelo, na mesma cor — geralmente em verde profundo, preto ou um discreto azul-marinho — para transportar os principais jogadores, dirigentes e convidados especiais pela vila. Os veículos eram discretamente marcados com pequenos adesivos de Wimbledon, não maiores que alguns centímetros — e mesmo assim, estavam por toda parte.
Transitavam em silêncio pelos cafés, esperavam diante dos portões de ferro, estacionavam nas vielas ao redor do All England Club.
A Land Rover não fornecia apenas transporte — ela estendia o ambiente do torneio para além dos muros. Como os jogos, os carros se moviam com precisão, propósito e a dose exata de cerimônia.
Cada uma dessas marcas representa uma forma diferente de tradição. Ralph Lauren, com sua aristocracia esportiva e precisão naval. Land Rover, com sua elegância funcional e herança no campo britânico. E Rolex — guardiã do tempo e referência em atemporalidade — não anuncia tendências, mas sustenta padrões por gerações. O Datejust ainda parece um Datejust. A caixa Oyster ainda fecha com a mesma precisão. E como Wimbledon, a marca mantém sua forma e, assim, torna-se símbolo de um design que não
precisa mudar para permanecer atual.
Isso não é só marketing. É design e filosofia.
E não está restrito à moda ou automóveis. Essa filosofia estética se espalha pelas ruas residenciais, pelos restaurantes, pelos portões de ferro gastos e pelas sebes verde-escuras. É um ambiente total, onde o design existe como atmosfera. Isso não é apenas “estilo” — é sintaxe. Uma maneira de falar, uma maneira de ver.
Existe um termo no design japonês: shibui. Refere-se a uma beleza discreta, simples mas refinada, equilibrada e silenciosamente poderosa. Wimbledon é shibui em inglês. Não anuncia sua relevância — conquista. A cada ano, a cada partida, a cada Pimm’s perfeitamente servido, há uma pequena cerimônia sobre como continuar sendo icônico sem jamais apelar para um mundo onde se cria hoje, apresenta-se amanhã, e na semana que vem já é ultrapassado. Gosto de brincar que vivemos em um mundo onde somos todos “um cachorro correndo atrás do rabo.” Faço do meu exercício diário tentar esquecer que tenho um rabo.
E esse é o paradoxo: numa era em que moda, design, arquitetura, arte e mercado imobiliário são medidos por ROI, Wimbledon nos lembra que o verdadeiro valor está na continuidade narrativa. No design que é sentido, que permanece — e não apenas visto.
Voltando ao bairro, não é à toa que as casas da região atingem valores tão altos. Elas não entraram na disputa em que vence quem é mais moderno.
Elas não competem com o novo. Oferecem algo que nenhuma tecnologia consegue: atemporalidade. Um tipo de luxo que não está na porta pivotante mais alta, mas na forma como a luz da tarde atravessa uma janela antiga, ou como um caminho de cascalho leva até uma porta de madeira, com puxador em cobre, envelhecido por anos de acesso a uma casa que teve história.
Como designer e estrategista visual, essa lição me guia diariamente e ficará comigo pelo resto da vida.
Ela mudou minha forma de entender o espaço. Me ensinou que bom design nunca se resume a impacto visual, mas sim ao que um lugar te convida a sentir e acreditar. Sobre o tipo de vida que ele promete — mesmo em silêncio.
Então, se você está lançando um novo empreendimento, reinventando uma marca ou projetando um espaço para durar — considere Wimbledon. Não pelo espetáculo, mas pela disciplina. Pelo modo como prova que a beleza, quando cultivada ao longo do tempo, torna-se algo muito mais raro do que novidade:
Torna-se confiança.Na Xarp Studio, ajudamos incorporadoras e visionários a criar com atmosfera, permanência e significado. Quer criar algo com identidade — e não apenas atenção? Fale com a gente.
Você escreve e faz com que a gente visite o lugar e enxergue ele devagar com suas nuances e com estado de presença.
Incrível!